O que está para além desta Pandemia?


É difícil pensar num momento destes, eu diria que é difícil escrever sobre um momento como este mas é necessário, pensarmos, sentirmos, falarmos, escrevermos.

Venho deixar algumas ideias em nada inéditas, mas que sinto serem importantes e devem ser ditas para continuarmos a refletir e podermos agir em consciência. Esta pandemia pode-nos paralisar, amedrontar, baralhar, mas é a nossa ação e pensamento, respeitando os nossos sentimentos, que nos pode ajudar a lidar com todos os desafios que esta situação nos está a impor. Até porque se olharmos bem e se pensarmos bem nem tudo é mau e, das situações piores, muitas das vezes conseguimos retirar coisas boas, do caos às vezes nasce a luz, que pode não ser logo visível, mas eventualmente conseguimos ver. Como por exemplo, estamos a “enlouquecer” com os filhos em casa e nós em teletrabalho, mas é quando percebemos que existiam coisas que não tínhamos visto nos nossos filhos, a realidade é que existem momentos que a ocupação do dia a dia não nos dava; um casal que está saturado de estar em casa os dois em teletrabalho, já não se podem ver a frente, falta as atividades sem ele/ela, falta todo um mundo sem ser em casal, as discussões começam a surgir como nunca, na eventualidade descobrem coisas que estariam já mal na relação e que o limite traz a possibilidade de mudança, ou mesmo a rutura; um trabalho que perdeu porque o patrão não renovou o contrato, o mundo cai, o chão sai debaixo dos pés, é agora que vai ter oportunidade para arriscar aquilo que sempre quis fazer como freelancer; e poderia dar muitos mais exemplos. Na doença e na morte é que tudo se torna muito mais doloroso que por vezes impossibilitam e poderá levar tempo a recuperar, tempo esse que precisamos dar a nós e aos outros.

Por outro lado, a esperança associada a uma noção clara da nossa responsabilidade individual e da consciência do que cada um de nós pode fazer (mais uma vez a ação) para ajudar nesta situação de vida partilhada por todos nós de formas diferentes, pode ser uma grande ajuda emocionalmente. Não nos retira o receio, a preocupação, mas ajuda a enfrentar o dia a dia, olhando para os olhos dos nossos filhos com verdade na confiança que as nossas atitudes fazem diferença, olhando para os olhos dos nosso pais e/ou avós com o amor que não acaba mesmo separados fisicamente nestes isolamentos, iremos dar e receber os abraços e beijos desejados e iremos fazer os jantares em família e com amigos que já tanta falta nos fazem. E a quem já perdeu, a dor que fica… aconselho a leitura dos artigos já publicados na nossa revista sobre o luto (https://www.revista-relacoes.com/post/lutos-e-covid-rui-cintra; https://www.revista-relacoes.com/post/a-perda-e-o-luto-marta-aleixo; https://www.revista-relacoes.com/post/viver-para-além-da-morte-de-um-filho ).

Esta dor e sofrimento, receio e preocupação muitas vezes não está sozinha, para além da situação de saúde pública que vivemos, gravíssima e preocupante, que nos desorienta, tínhamos já no nosso país uma saúde mental negligenciada e muitas das necessidades primárias que favorecem a saúde mental sem respostas eficazes. E para além disso, a vida continua e a maioria dos casos que nos chegam aos hospitais e ao consultório privado, são os que sempre chegaram, mas agravados por esta pressão, por esta incerteza e por estes confinamentos que nos tiram o espaço necessário à nossa vida mental saudável.

Os pais que perderam o seu bebé, a mulher que só quer morrer, o casal que sobrevive mal com a companhia de uma traição, o homem que não consegue ser quem gostaria, a mulher que nunca foi amada pela sua mãe e não consegue sentir que merece ser amada, o homem que fez tudo o que podia e já não aguenta mais, o casal que apesar de ainda dormirem juntos já não têm intimidade há mais de um ano,… e poderia continuar com inúmeras dores, situações de vida, realidades internas e dificuldades emocionais que casais, homens e mulheres já viviam antes da pandemia e agora continuam a viver e a pandemia em algumas situações está a ser a gota de água por uma pressão acrescida a um mal estar interno já existente.

A nossa dor é muitas vezes antiga, como temos referido em alguns dos nossos artigos, e que muitas vezes não nos permite viver no presente, sentir o presente e ambicionar o futuro. Como podemos ter às vezes o discernimento necessário para enfrentar esta nova realidade que se intromete?

A questão das escolas, pais, filhos, professores e alunos, tensão que mina e ocupa espaço. Cabe a nós adultos nas diferentes posições e responsabilidades protege-los de sofrimentos desnecessários, basta o inevitável e para isso temos de estar bem organizados (dentro do possível) e confiantes (dentro da nossa esperança) dos procedimentos a tomar, para não lhes colocar às crianças e jovens um peso acrescido.

Precisamos de paz interna mínima para vivermos com alguma qualidade, quando tal está colocado em risco por uma doença invisível que afeta as questões do trabalho, dos filhos, da nossa saúde, é preciso de facto sermos muito higiénicos não só nas mãos e toda a etiqueta respiratória, mas com as nossas emoções, procurando não nos “sujarmos” constantemente com a desinformação, o alarmismo, as teorias da conspiração e procurar factos científicos para mediar o que nos é exigido pelas autoridades competentes, a nossa saúde mental, o nosso bem-estar.

Quero com isto chamar a atenção que os efeitos da pandemia sobre nós são diversos e que a nossa história, os acontecimentos de vida que não pararam de surgir e a nossa saúde mental pré-existente, tem toda a influência nos nossos sentimentos no momento. Uns têm um medo quase bloqueador outros em oposto negam esta realidade. Todos nós precisamos de futuro, de atividades fora do casal e filhos, de outras relações, de outras realidades e de sair do mesmo local, experimentar, conhecer, projetar. Mas este é o momento de organizar os nossos sentimentos, pedir ajuda, se assim for necessário, de um psicólogo, de um terapeuta de casal, para nós, por causa dos nossos filhos ou por causa da nossa conjugalidade, e parar e pensar o que temos de fazer, o que podemos fazer para melhor lidar com esta situação. A nossa responsabilidade individual é muito importante para voltarmos a ter futuro, objetivos, sem ser este nevoeiro que não nos permite ver para além de um curto espaço de tempo. Temos de perceber que possibilidade temos nós, de cada um fazer algo para ajudar, podemos sempre fazer algo, seja em micro, eu estar estável para dar confiança ao meu filho e melhor ajudar a faze-lo sentir-se seguro e calmo, ou mais macro, vou dar sangue, voluntariar-me numa cantina de apoio a quem precisa. É tempo de agir porque o receio mata a esperança, contamina a nossa vida colaborando para a nossa inatividade e mais comportamentos de risco. Não é fácil, não é, mas é possível se cada um fizer a sua parte de uma forma consciente e em ação, criando pequenos objetivos que sejam porque precisamos de sentido mesmo no que dificilmente faz sentido, porque o contrário também mata, o nosso espírito, as nossas relações a nossa vida. Estar bem e ficar bem apesar de tudo também está nas nossas mãos!

Deixo alguns artigos que podem ajudar:

https://tavistockrelationships.org/about-tccr/55-blog/300-covid-tips

https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/doc_covid19_segundo_confinamento.pdf

https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/caminhos_de_decisaao_em_saaode_psicolaogica_contexto_pessoal_.pdf

https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/doc_covid_19_equilibrio_vida_pessoalprofissional.pdf

 

 *Artigo publicado na Revista Relações em 27/01/2021

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