“Sinto que ninguém realmente me ouve” – a importância de ouvir e escutar


Uma das lições mais importantes que a vida me tem ensinado é a de que mais do que falar é importante ouvir. Vivemos num momento das nossas vidas em que se tem muitos estímulos, temos muitas “coisas”, queremos muitas “coisas” e muitas vezes sem tempo para pensar, para sentir, para ouvir porque nos ocupamos em querer falar, em querer fazer queixas, em querer, querer… E muitas vezes não ouvimos o nosso corpo, não ouvimos a nossa mente, não nos sentimos, só o fazendo no limite quando já está tudo acumulado e caímos para o chão.


Até podemos ser o tipo de pessoa que fala muito, que se expressa, todavia, isso não quer dizer obrigatoriamente que dizemos o que realmente é importante para nós, porque se não houver espaço suficiente para sentir, podemos estar desconectados de nós próprios.

Por outro lado, podemos sentir que nunca fomos verdadeiramente ouvidos. Sentimos que não nos vão ouvir, porque nunca nos ouviram verdadeiramente, ou porque ao longo do tempo foram desvalorizando o que dizíamos e/ou tivemos dificuldades em nos fazer ouvir, desde logo, a nós mesmos.


Nesta sociedade em que vivemos, ouvimos pouco, parece que tudo passa rápido, a correr, é preciso tempo para sentir, para pensar, para ouvir, para falar, pois sem esta realidade tão humana tendemos a falhar-nos.


No meu trabalho hospitalar tentamos perceber o que a pessoa que está à nossa frente possa precisar, muitas vezes não é de um trabalho analítico muito aprofundado, mesmo que fosse é muito difícil em termos de agenda, pela quantidade de pessoas versus o número de psicólogos, levar a cabo processos psicoterapêuticos muito profundos. Mas o que faz muitas vezes a diferença é esta pessoa tão simplesmente ser ouvida, e é assim que se passa com a grande maioria das pessoas. Ser realmente ouvida, respeitada, sentida e eventualmente compreendida, na verdade é esta a base de intervenção de qualquer psicólogo, com a sua escuta ativa, que para além dos seus conhecimentos científicos extremamente importantes, o que está também em causa, é ser humano no sentido mais profundo do estabelecimento de uma relação, que se entende como saudável, segura, contentora e eventualmente transformadora e tudo isto por vezes só pelo facto de estarmos ali verdadeiramente em respeito e disponibilidade a ouvir e sentir aquela pessoa. Algo muito mágico, que tenho a certeza que todos os meus colegas partilham deste sentimento comigo.


Nos casais, este ouvir o outro é extremamente importante e determinante para uma relação saudável, mas muitas vezes, tal como nos diz Alberto Eiguer, psiquiatra e psicanalista, percursor com grande experiência com casais e famílias, quando nos fala da teoria dos vínculos e na relação do casal, que “a sua dependência recíproca leva-os por vezes a esquecer que eles são diferentes, que têm desejos próprios.”. Vê-se muito na terapia com casais que os elementos que o constituem já não se ouvem, se é que alguma vez se ouviram verdadeiramente, porque muitas vezes ouvem o que querem ou conseguem ouvir e não o que o outro realmente está a dizer. Diz-nos Eiguer: “Mas isso não basta para viver o outro como um sujeito que tem um funcionamento inconsciente, uma subjetividade, uma história, gostos e valores que lhe são próprios. Este outrem-sujeito diz-nos alguma coisa, olha-nos, pede-nos para ser tido em conta, que nos sintamos emocionalmente próximos dele, preocupados com o que lhes acontece, implicados mesmo nas suas dificuldades, e que tenhamos a certeza do seu amor.”.


Na prática clínica de influência psicanalítica, o ouvir é diferenciado de escutar e Freud clarifica: "Ver-se-á que a regra de prestar igual reparo a tudo constitui a contrapartida necessária da exigência feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorra, sem crítica ou seleção" (FREUD, 1912, p. 150). Esta possibilidade dentro do ambiente psicoterapêutico é fundamental para o paciente se sentir compreendido, se sentir verdadeiramente escutado, mas esta escuta, diz-nos Freud, deve ser levada a cabo por exemplo pelos médicos e professores também. Freud veio-nos mostrar que a escuta é imprescindível e que saber ouvir é uma verdadeira arte.


Jacques Lacan (1979), outro psicanalista, refere que é preciso dar atenção à singularidade do sujeito, estar atento ao que ouve e ter curiosidade na sua escuta. Tal como acontece desde logo na relação entre a mãe e o seu bebé, é este ritmo de olhar e sentir e responder e perceber que se estabelece o que de mais importante existe numa relação suficientemente boa e saudável, que nos faz sentir ouvidos, amados, presentes, seguros.


Se nos lembrarmos de tudo isto e investirmos de uma forma mais presente e disponível na nossa relação connosco e com o outro, sentiremos mais amparo, menos ansiedade, menos angústia.


Só me disponibilizando verdadeiramente para ouvir o outro é que vou encontrar espaço para o ter emocionalmente dentro de mim, de outra forma estaremos sempre todos a falar sozinhos. É preciso voltarmos a algo de base e até mesmo de básico na relação humana, tal como um querido amigo colega dizia ao ler este meu texto: Back to Basics!

*Artigo publicado na Revista Relações em 5/05/2021

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Onde está a luz neste Natal?

A capacidade e a possibilidade do Amor no Casamento

Ser Pai e a importância do “novo” pai