A capacidade e a possibilidade do Amor no Casamento

 


Talvez este título seja demasiado ambicioso, mas numa altura em que se fala no crescente número de divórcios e tudo parece estar à volta da doença, venho falar sobre o Amor que nos pode unir e o que pode trazer esse casamento.

Nem “viveram felizes para sempre”, nem “o significado de casar-se é enforcar-se”. Existem alguns arautos da desgraça do casamento, os desacreditados e, no lado oposto, os demasiados iludidos e irrealistas.

Existe um espaço no meio, sobre o qual eu gostaria de vos fazer refletir, mas mais do que sobre o casamento, falemos também de Amor.

Roberto Losso, psicanalista e terapeuta de casal argentino, descreve alguns benefícios psíquicos de estar em casal, como por exemplo: não ficar sozinho; confirmar a sua própria identidade, nomeadamente sexual; alcançar a gratificação afetiva; obter uma gratificação sexual estável; buscar independência em relação à família de origem; criar alianças, tanto contra a família de origem como contra o mundo exterior; assumir os seus fantasmas de imortalidade através da descendência; criar uma cultura familiar própria e transmiti-la; reparar as suas feridas narcísicas imaginando fazer melhor que os próprios pais; possibilitar um projeto comum e de criatividade; reencontrar a intimidade da díade mãe-criança, reparar as faltas do passado e reencontrar a ilusão infantil da fusão e da completude.

Mas amar ao ponto de nos levar a casar, casamento esse que pode assumir qualquer forma (religioso, civil, emocional), em termos gerais, só a capacidade de amarmos alguém já pode ser algo muito saudável e especial. Ser amado de volta é igualmente único e especial e pode ser um acontecimento de vida que nem todos nós poderemos vivenciar por diversas razões, eu diria, que fora a ciência do acontecimento, a sorte também ajuda ou não. Amar alguém e ser amado pode ser tão especial que a gratidão pela existência do outro na nossa vida pode ser algo muito saudável, que nos valoriza a nós, ao outro e à relação.

O que vou tentar descrever de seguida são alguns pontos fundamentais do que se pode caracterizar por um amor maduro e saudável, daqui podem divergir todas as outras características e comportamentos que levarão a relações infelizes e até dolorosas outras doentes. Mas hoje vou-me focar no saudável e possivelmente ideal.

E começo já por aí, é natural alguma idealização do objeto de amor, o que se espera é que ao longo do desenvolvimento da relação os aspetos positivos e negativos possam ser integrados. Outro aspeto importante do amor, é o interesse pelo outro, por quem ele é, o que ele quer ser, o que o move, o que gosta o que não gosta, a sua história de vida e tudo o que compõe e vai evoluindo na pessoa amada. Tal não é só rico para o objeto de amor, mas também para quem ama, que neste processo de interesse exploração e partilha, enriquece-se e poderá ser um caminho acompanhado de evolução e de comunhão de interesses tão importante para o desenvolvimento do amor. Pois o amor não é estanque, na melhor das hipóteses evolui. Se estagnar tende a morrer.

Outro aspeto fundamental do amor é a capacidade de confiar no outro, sentir que se pode confiar no outro, sentir que se pode revelar as suas características mais profundas, as suas fragilidades e conflitos internos e que o outro consegue ou aprende a ser empático com tal e tem essas características em conta em momentos de fricção ou conflito do casal. Não usando esse conhecimento contra o outro. E esta confiança tem de ser recíproca obviamente.

Quando falamos em confiança também não podemos deixar de falar em traição e a sua relação com a honestidade.

Quando falamos em amor também temos de referir a capacidade de perdoar, nem tudo são rosas e existiram dissabores, desencontros e é muito importante essa capacidade para poder fazer avançar em determinadas alturas o casal.

O manejo da e na vida diária é outro ponto muito importante, a vida diária está cheia de desafios para um casal. A preparação e aceitação de que o dia-a-dia traz conflitos, dificuldades e diferentes formas de resolução das mesmas questões, seja na educação dos filhos, seja na logística da casa, seja na expectativa da sua vida sexual, com tudo o que isso implica de desafiante e também motivante. O “truque” está na tolerância e respeito mútuo pela forma de ser do outro e a consciência da necessidade de uma distribuição justa dos afazeres e responsabilidades.

Neste amor que vos falo hoje, existe uma dependência madura de dar e receber, de estar lá o outro e saber que o outro está lá para nós, deixar-se tomar conta e mais, que nós temos a responsabilidade em ajudar o outro a atingir os seus objetivos de vida, no seu projeto individual de felicidade. Ver o outro crescer, evoluir, partilhar os seus momentos de sucesso, de alegria e sentir uma ternura nesse reconhecimento fará com que a relação se torne mais intensa e a ligação mais forte.

Quando falamos de sexo, algo que distingue uma relação de amizade e um casamento ou uma relação de casal, podemos pensar de uma forma simples, que com um relacionamento estável, próximo e maduro, o sexo pode ser algo muito especial, recorrente e excitante, podendo ao longo dos anos ir sendo substituído gradualmente por uma conexão emocional profunda que satisfaz mas depende, como em tudo que descrevi até ao momento, do casal.

Para terminar gostaria de deixar esta ideia batida de que Amar alguém é saber que o objeto de amor é alguém livre, que não vai gostar de nós por culpa ou coerção ou que, por outro lado, teremos de “aguentar” em nome de algo. Uma relação saudável e madura dá muito trabalho e nem sempre é fácil o transpor de alguns momentos da vida do casal, porque na vida também não o é. Quanto mais conseguirmos estabelecer uma relação flexível, honesta e criativa, mais hipóteses existe que dure e que nesse caminho possamos ser muitas vezes felizes e gerar felicidade.



*Artigo publicado na Revista Relações em 21/10/2020

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